Estava na parada de
ônibus quando te encontrei. Você chegou e foi direto olhar os
ônibus que passavam ali. Não demorou muito, o Troncal 10 chegou e
nós demos o sinal, chamando o ônibus. Eu entrei primeiro e sentei
na janela ao lado de uma senhora. Você entrou, e primeiro ficou de
pé. Logo sentou numa cadeirinha, ficando quase de frente pra mim.
Não vi o momento em que sentou. Quando te olhei, já estava lá,
olhando a janela e anotando em um pedaço de papel. Você olhava a
paisagem do aterro do flamengo e escrevia em seu papelzinho. Eu
fiquei te observando, pensando: O que será que ele está escrevendo?
Será que é o que ele vê? Será que é o que ele imagina? Será o
que ele imagina e vê? Ou será o que ele imagina que vê? Ou o que
vê que imagina? A senhora já não estava mais sentada do meu lado.
Nem percebi o momento que ela saiu. Estava concentrada em você, na
sua escrita. Você tem uma letra tão miudinha. Parecia um dos
personagens da minha imaginação. Tinha um jeito peculiar de morder
o lábio inferior enquanto escrevia. Eu te observava escrever no
papel, enquanto escrevia na mente esse conto. Eu observava seus
detalhes, da sua barba por fazer bem desenhada, do band-aid no dedão
do seu pé direito, da sua calça amarela, de como coçou o olho.
Você observava a janela.
Você me olhou. Num
susto olhei para a janela. Acho que um susto por ver que você era
real, ou uma reação cotidiana do mundo em que vivemos, que tem medo
dos olhos do outro. A gente se assusta quando nossos olhos encontram
os olhos de um desconhecido. Mas você não era mais tão
desconhecido para mim, mesmo não sabendo nem seu nome, nem de onde
vem, nem seu signo. Mas sabia que tinha a letra miúda, gosta de
calças de pano com cores, machucou o dedão do pé recentemente, que
tem uma mania de morder o lábio inferior enquanto escreve, gosta de
escrever e observar a paisagem (perto de tudo isso um nome não é
nada). Voltei a te olhar e você ainda olhava para mim, não demorou
muito, logo voltou sua atenção a sua escrita. Será que escreve
sobre mim ou só se assustou com meu olhar? Pensei. O aterro acabou e
o ônibus entrou em direção a lapa. Você ficou meio perdido. Nos
olhamos de novo. Você guardou o papel na mochila. Colocou a mochila
nas costas se levantando da cadeirinha e caminhou em minha direção,
para a porta de saída do ônibus. Olhei para minha janela e senti
você passar por mim. Desceu. Olhei seu caminho até que
então...desapareceu.
E assim acabou mais um romance de ônibus.