sexta-feira, 29 de abril de 2016

Troncal 10

Estava na parada de ônibus quando te encontrei. Você chegou e foi direto olhar os ônibus que passavam ali. Não demorou muito, o Troncal 10 chegou e nós demos o sinal, chamando o ônibus. Eu entrei primeiro e sentei na janela ao lado de uma senhora. Você entrou, e primeiro ficou de pé. Logo sentou numa cadeirinha, ficando quase de frente pra mim. Não vi o momento em que sentou. Quando te olhei, já estava lá, olhando a janela e anotando em um pedaço de papel. Você olhava a paisagem do aterro do flamengo e escrevia em seu papelzinho. Eu fiquei te observando, pensando: O que será que ele está escrevendo? Será que é o que ele vê? Será que é o que ele imagina? Será o que ele imagina e vê? Ou será o que ele imagina que vê? Ou o que vê que imagina? A senhora já não estava mais sentada do meu lado. Nem percebi o momento que ela saiu. Estava concentrada em você, na sua escrita. Você tem uma letra tão miudinha. Parecia um dos personagens da minha imaginação. Tinha um jeito peculiar de morder o lábio inferior enquanto escrevia. Eu te observava escrever no papel, enquanto escrevia na mente esse conto. Eu observava seus detalhes, da sua barba por fazer bem desenhada, do band-aid no dedão do seu pé direito, da sua calça amarela, de como coçou o olho. Você observava a janela.
Você me olhou. Num susto olhei para a janela. Acho que um susto por ver que você era real, ou uma reação cotidiana do mundo em que vivemos, que tem medo dos olhos do outro. A gente se assusta quando nossos olhos encontram os olhos de um desconhecido. Mas você não era mais tão desconhecido para mim, mesmo não sabendo nem seu nome, nem de onde vem, nem seu signo. Mas sabia que tinha a letra miúda, gosta de calças de pano com cores, machucou o dedão do pé recentemente, que tem uma mania de morder o lábio inferior enquanto escreve, gosta de escrever e observar a paisagem (perto de tudo isso um nome não é nada). Voltei a te olhar e você ainda olhava para mim, não demorou muito, logo voltou sua atenção a sua escrita. Será que escreve sobre mim ou só se assustou com meu olhar? Pensei. O aterro acabou e o ônibus entrou em direção a lapa. Você ficou meio perdido. Nos olhamos de novo. Você guardou o papel na mochila. Colocou a mochila nas costas se levantando da cadeirinha e caminhou em minha direção, para a porta de saída do ônibus. Olhei para minha janela e senti você passar por mim. Desceu. Olhei seu caminho até que então...desapareceu.
E assim acabou mais um romance de ônibus.

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